Porquê estou preocupado com a epidemia de ébola - e porquê o governo brasileiro também deveria mostrar preocupação
PEDRO LUNA
Imagem do vírus ebola ampliado milhões de vezes |
Era manhã de domingo, 26 de abril de 2009. Lembro perfeitamente de estar folheando o jornal e estremecer ao ler que a Organização Mundial de Saúde (OMS) havia disparado um alerta dando conta do surgimento de uma gripe desconhecida e mortal que acabara de emergir no México. Em apenas duas semanas, o novo vírus havia matado quase 170 pessoas e contaminado mais de 2.600.
A história das epidemias era um assunto que me interessava há anos, de modo que já havia lido bastante sobre o tema e entrevistado diversos epidemiologistas. Eu sabia que, entre eles, nenhuma doença infecciosa era mais temida que a gripe. Foi o que me fez estremecer. Aquela nova gripe surgida no México talvez fosse o início da pandemia que os especialistas previam há décadas.
Eu trabalhava como repórter de ciência em uma importante revista semanal. Passei a mão no celular e liguei para o diretor de redação. Reza uma das regras básicas do simancol que só se deve ligar para a casa do chefe numa manhã de domingo em caso de extrema urgência. Era o caso. Expliquei a ele a minha preocupação. Ele pediu que eu ficasse antenado e desse detalhes na reunião de pauta do dia seguinte.
Durante a reunião, o assunto principal era o câncer da candidata do PT às eleições presidenciais de 2010, a então ministra Dilma Rousseff. Ela havia acabado de se submeter a uma cirurgia para a retirada de um tumor maligno e estava para iniciar as sessões de quimioterapia. A matéria havia sido anunciada como sendo a reportagem de capa da próxima edição.
“Não vai, não”, interrompi. “A capa da semana que vem vai ser a epidemia de gripe”.
“Você está louco”, disse o diretor. “O país inteiro quer saber da saúde daquela que pode ser a futura presidente. Até a próxima 5a-feira ninguém mais vai estar interessado nisso. Todo o mundo vai querer saber tudo sobre a nova gripe e como se proteger dela”, afirmei, alinhavando em seguida todos os argumentos necessários para sustentar tal afirmação.
Saí da reunião pronto para fazer uma reportagem de capa que concorreria com a da saúde da Dilma.
Ao longo da semana meus argumentos foram ganhando força. O resultado foi a reportagem de “A ameaça da gripe suína”. Foi a primeira de uma série sobre a gripe suína que fiz nos meses seguintes, quando pude entrevistar alguns dos mais importantes epidemiologistas e infectologistas do planeta - e conhecer de perto os seus piores temores. Além da gripe, eles os vírus da varíola e o ébola.
Ao longo da semana meus argumentos foram ganhando força. O resultado foi a reportagem de “A ameaça da gripe suína”. Foi a primeira de uma série sobre a gripe suína que fiz nos meses seguintes, quando pude entrevistar alguns dos mais importantes epidemiologistas e infectologistas do planeta - e conhecer de perto os seus piores temores. Além da gripe, eles os vírus da varíola e o ébola.
UM TEMOR COMPARTILHADO
O pior pesadelo dos infectologistas é a eventualidade de uma nova pandemia de gripe mortal como a Gripe Espanhola, que matou 100 milhões de pessoas entre 1918 e 1920. A gripe é a mais temida por ser transmitida pelo ar, e portanto ser extremamente infecciosa. A OMS estima que uma nova pandemia similar à Espanhola poderia matar até 300 milhões de pessoas, ou seja, 4 em cada 100 doentes.
Um vírus como o ébola é muito menos infeccioso que o da gripe, pois não é transmissível pelo ar. A infecção só ocorre via contato com os fluídos corpóreos (sangue, suor, saliva, lágrimas e sêmen) de um doente. Em compensação, a taxa de mortalidade do ébola é altíssima. A epidemia atual está matando um em cada dois doentes, ou 50% dos casos. Daí uma pandemia causada por um vírus como o ébola ser o segundo pior pesadelo dos infectologistas. Um pesadelo que começa a tomar forma.
A epidemia atual iniciou com um caso em dezembro de 2013. O “paciente zero” era um menino de 2 anos que vivia no interior da Guiné. Ele provavelmente teria sido mordido por um morcego, o vetor natural do ébola. Através do contágio, a doença acabou vitimando a família do menino, seus vizinhos e toda a comunidade, que fica próxima da fronteira com a Libéria e Serra Leoa. Em poucas semanas, o ébola havia começado a se espalhar pela região.
De acordo com último boletim da OMS, de 8 de outubro, “a situação na Guiné, Libéria e Serra Leoa continua a se deteriorar, com transmissão persistente e generalizada”. Já são mais de 8 mil casos confirmados, com 4 mil mortes - apenas os casos notificados e confirmados. Não entram nas estatísticas as pessoas que estão morrendo longe de qualquer vigilância epidemiológica.
Agora o ébola cruzou o estreito de Gibraltar e o oceano Atlântico. Uma enfermeira espanhola que tratou um padre infectado na África e que foi removido para tratamento na Espanha, adoeceu (o padre morreu). Um americano que contraiu a doença na Libéria há três semanas acaba de morrer no Texas (toda a sua família está confinada em quarentena). Ao mesmo tempo, já há notícia de um segundo doente confirmado nos Estados Unidos. “É praticamente inevitável”, que a doença se espalhe pela Europa “por causa do intenso trânsito tanto da Europa aos países afetados e no sentido oposto”, alertou há dois dias a diretora da OMS, Zsuzsanna Jakab.
O ébola é uma doença terrível. Seu período de incubação é 10 dias. A partir do surgimento dos primeiros sintomas como febre e mal-estar, a doença pode evoluir rapidamente para náuseas, vômitos, dor intensa e diarréia, culminando com hemorragia generalizada e inconsciência, matando em uma semana. Não há vacina contra o ébola (algumas estão em teste), e só uma droga experimental chamada zMapp parece ter dado resultado positivo no tratamento de dois pacientes americanos, que sobreviveram. O texano que morreu foi tratado com outra droga, a Brincidofovir.
O BRASIL ESTÁ PREPARADO?
Eu sinceramente gostaria de saber quais são as medidas efetivas que o governo brasileiro está tomando para evitar - ou pelo menos minimizar - as chances da epidemia chegar ao Brasil? Não basta espalhar cartazes nos aeroportos alertando contra o vírus. Já começaram a checar a temperatura dos passageiros no desembarque internacional dos aeroportos em São Paulo, Campinas e Rio de Janeiro? Os funcionários foram treinados para saber como reagir quando ao se deparar com um possível infectado? Há locais de isolamento nos aeroportos?
Outras perguntas seriam: Se, e quando, o ébola aportar no Brasil, o que o Ministério da Saúde e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) estão fazendo para reduzir ao máximo a probabilidade de contágio? Quais são os hospitais preparados para receber doentes? Existe material em quantidade suficiente para proteger o pessoal médico envolvido, como roupas isolantes, máscaras, luvas e óculos de proteção?
Infelizmente, vivemos em um país onde o improviso sempre foi a tônica das ações governamentais. Vamos torcer para que, desta vez, a resposta de Brasília seja efetiva - e em tempo real.
*
Nas próximas semanas continuarei acompanhando o passo-a-passo da epidemia e dividindo neste espaço o que vou descobrindo (assim como as minhas impressões pessoais).
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